EMENTA:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER, SEQUESTRO E
CORRUPÇÃO DE MENOR. INSTRUÇÃO DO FEITO. PRELIMINAR REJEITADA. COMPETÊNCIA PARA
PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO FEITO. DÚVIDA QUANTO AO EXATO LOCAL DA MORTE DA
VÍTIMA. INCERTEZA QUE SE RESOLVE PELA PREVENÇÃO. MANTIDA A COMPETÊNCIA DA
COMARCA DE CONTAGEM. ORDEM DENEGADA. - Se a documentação acostada aos autos
possibilita a análise da controvérsia aventada no Habeas Corpus, impõe-se a
rejeição da preliminar de não conhecimento do pedido por deficiência de sua
instrução. - Havendo dúvida acerca do local exato da consumação do delito de
homicídio, a competência para processamento e julgamento da ação penal deve ser
determinada pela regra subsidiária da prevenção.
HABEAS
CORPUS N° 1.0000.10.043097-4/000 - COMARCA DE CONTAGEM - PACIENTE(S): BRUNO
FERNANDES DAS DORES DE SOUZA, ELENILSON VITOR DA SILVA, DAYANNE RODRIGUES DO
CARMO SOUZA, FLÁVIO CAETANO DE ARAÚJO, WEMERSON MARQUES DE SOUZA, LUIZ HENRIQUE
FERREIRA ROMÃO - AUTORID COATORA: JD V TRIBUNAL JÚRI COMARCA CONTAGEM -
RELATOR: EXMO. SR. DES. DOORGAL ANDRADA
ACÓRDÃO
Vistos
etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ , na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de
votos, EM DENEGAR O
HABEAS CORPUS.
Belo
Horizonte, 25 de agosto de 2010.
DES.
DOORGAL ANDRADA - Relator
NOTAS
TAQUIGRÁFICAS
Proferiu sustentação o Advogado Ércio
Quaresma Firpe, pelos pacientes.
Assistiu ao julgamento a Advogada
Graziela Lourdes de Souza Moreira, pelo interessado Marcos Aparecido dos
Santos.
O
SR. DES. DOORGAL ANDRADA:
VOTO
Sr. Presidente, venho aqui parabenizar,
como sempre, mais uma vez, a atuação do ilustre Dr. Advogado Quaresma pela sua
competência e sua galhardia em defender seus clientes com aquele ímpeto do
advogado que está acostumado com o júri e, diferente do que Vossa Excelência
possa ter trazido, mas mesmo assim aplaudindo a Vossa Excelência, esta forma de
agir de Vossa Excelência é também uma das maneiras de se engrandecer o estado
democrático de direito, em que estamos vivendo e cada vez mais estamos
aperfeiçoando.
Trata-se de habeas corpus impetrado
em favor de BRUNO FERNANDES DAS DORES DE SOUZA, ELENILSON VITOR DA SILVA,
DAYANNE RODRIGUES DO CARMO SOUZA, FLÁVIO CAETANO DE ARAÚJO, WEMERSON MARQUES DE
SOUZA E LUIZ HENRIQUE FERREIRA ROMÃO, apontando como autoridade coatora a Juíza
de Direito da Vara do júri da Comarca de Contagem. Alegam em suma, que, a
partir de representação oriunda da Delegacia de Homicídio de Contagem, a
autoridade coatora, em 06/07/2010, decretou a prisão preventiva dos pacientes
e, desde então, todos os atos afetos à jurisdição têm sido decididos pela MM. Juíza
do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem; que, no entanto, com a prisão de
Marcos Aparecido de Souza, o palco de investigação dos delitos em tese
cometidos deixou de ser o sítio do paciente Bruno e se deslocou para
Vespasiano; que a autoridade policial noticiou à imprensa "que o local do
pretenso assassinato teria sido a casa de Marcos Aparecido de Souza que fica em
Vespasiano"; que nenhum suposto ato executório ou suposta consumação dos
delitos imputados aos réus ocorreram na Comarca de Contagem, de forma a atrair
para lá a competência. Aduzem que estão sofrendo constrangimento ilegal, em
razão da ofensa ao princípio do juiz natural, tendo em vista a incompetência
territorial da autoridade coatora para os atos que praticou. Pedem,
liminarmente, o sobrestamento do feito até o julgamento do mérito da impetração
e que, ao final, seja concedida a ordem para declarar a incompetência do juízo
do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem e para declarar a competência do
juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Vespasiano.
Foi deferido, em termos, o pedido
liminar, "apenas para determinar à autoridade impetrada, a Juíza de
Direito da Vara do Júri da Comarca de Contagem, que, recebidos os autos do
Inquérito Policial de nº 117/2010, aforado sob o n. 0356249-66.2010, instaurado
pela Delegacia Especializada de Homicídios do Município de Contagem, proceda,
imediata e expressamente, ao exame de sua competência para prosseguir no
conhecimento de tudo quanto diga respeito a ele". (f. 74/84).
Informações prestadas à f. 98,
acompanhadas de cópia da decisão através da qual a autoridade impetrada se deu
por competente para processar e julgar os fatos imputados aos pacientes, bem
como recebeu a denúncia contra eles ofertada pela prática dos delitos previstos
nos artigos 121, §2º, I, III e IV, 148, §1º, IV e 211, todos do CPB, e no art.
244-b, §2º, da Lei nº 8.069/90, e decretou a prisão preventiva dos denunciados
(f. 99/115). Juntaram-se, ainda, cópias de outros documentos (f. 116/146).
Os impetrantes peticionaram nos
autos, pedindo pela juntada da documentação de f. 151/173.
Parecer da douta Procuradoria de
Justiça (f. 175/184), manifestando-se pelo não conhecimento do pedido ou pela
denegação da ordem.
É o relatório. Decido.
I - QUESTÃO PRELIMINAR: NÃO
CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS
A douta Procuradoria de Justiça
aventou preliminar de não conhecimento do pedido de Habeas Corpus, diante da
deficiência de sua instrução, aduzindo que não foi juntada cópia da denúncia e
do relatório do inquérito, o que impede se tome conhecimento acerca da dinâmica
dos fatos delituosos cuja prática se atribui aos pacientes.
Data venia, tenho que não merece
acolhida a preliminar aventada, tendo em vista que, embora não tenham os
impetrantes instruído o Habeas Corpus da forma como poderiam, uma vez que não
apresentaram cópia da denúncia e do relatório conclusivo do Inquérito Policial,
a documentação acostada aos autos é suficiente para se analisar o pedido.
Registre-se, mesmo tendo tido acesso
a tais documentos (denúncia e relatório do Inquérito Policial), a douta
autoridade coatora afirmou pela impossibilidade de se fixar a competência
norteando-se pelo local da consumação do delito, uma vez que o corpo da suposta
vítima não foi localizado.
Portanto, tendo em vista que outros
documentos não teriam mesmo o condão de elucidar a questão relativa ao local da
consumação do delito de homicídio, tenho não ser o caso de não conhecimento do
pedido por esse motivo, sendo possível a análise da controvérsia aventada no
Habeas Corpus com os documentos dos quais já se dispõe nos autos.
Por outro lado, a dinâmica dos fatos
descrita na decisão de f. 99/115 por certo tomou como base os fatos descritos
na denúncia e no inquérito, o que, de certa forma, supre a ausência de tais
documentos.
Portanto, conheço do habeas corpus,
eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
II - MÉRITO
Após detida análise de todo o
processo, tenho que deve prevalecer a competência do juízo do Tribunal do Júri
da Comarca de Contagem para processamento da ação penal na qual se apura a
prática, pelos pacientes, dos delitos previstos nos artigos 121, §2º, I, III e
IV, 148, §1º, IV e 211, todos do CPB, e 244-b, §2º, da Lei nº 8.069/90.
Inicialmente, cumpre salientar que o
Código de Processo Penal Brasileiro estabeleceu, como primeiro critério a ser
observado para a fixação da competência, o do local da consumação da infração
penal (artigos 69 e 70), adotando a teoria do resultado. Como regra
subsidiária, adotou a prevenção, conforme previsto em seu art. 83.
No caso, verifico que a teoria do
resultado não se mostrou suficiente para a fixação da competência, uma vez que
a ocultação do cadáver e o fato de a vítima ter sido conduzida a vários locais
antes de ser supostamente executada, não permite se afirme, com segurança, o
local da consumação do delito de homicídio.
Registre-se que o fato de a
autoridade policial ter afirmado que Eliza Samúdio foi assassinada no Município
de Vespasiano, por si só, não tem o condão de atrair a competência para aquela
Comarca.
Os autos apontam fundada dúvida
sobre o local da consumação do delito de homicídio, uma vez que o corpo da
vítima não foi localizado, devendo ser considerado, ainda, que a denúncia
anônima que deu origem às investigações informou que Eliza teria sido assassinada
no sítio do paciente Bruno, localizado no limite das Comarcas de Esmeraldas e
Contagem.
Assim, embora haja indícios de que o
homicídio se consumou em Vespasiano, há elementos que contrariam essa versão,
persistindo a dúvida quanto ao local.
Portanto, considerando a incerteza
acerca do local exato da consumação do delito de homicídio, deve ser adotada a
regra subsidiária para se determinar a competência, que é a regra da prevenção.
Nesse sentido, a orientação
jurisprudencial do colendo STJ:
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS.
CÁRCERE PRIVADO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PORTE DE MUNIÇÃO
DE USO PROIBIDO OU RESTRITO (1) COMPETÊNCIA. DÚVIDA SOBRE O LOCAL DA
CONSUMAÇÃO. PREVENÇÃO. OCORRÊNCIA. (2) PRISÃO PREVENTIVA. CAUTELARIDADE.
PRESENÇA. (3) CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTRAS
RAZÕES A JUSTIFICAR A CUSTÓDIA. (4) FUNDAMENTO NÃO PRESENTE NO DECRETO.
INSERÇÃO PELO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na hipótese de prática de vários
crimes, unidos pela conexão probatória, em que há dúvida acerca do local de
consumação, a competência é fixada pela prevenção, como no caso em foco, em que
o Juiz de determinada Comarca, antes dos demais, tomou conhecimento do feito,
determinando busca e apreensão e a exumação do corpo da vítima. (...) 5. Ordem
denegada." (STJ - HC 81588 / BA - Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA - Data da Publicação/Fonte: DJe 14/04/2008).
Por outro lado, a regra constante no
art. 70 do CPP (teoria do resultado) prevê a competência do local da consumação
do delito justamente por ser o local onde se pode, com maior facilidade, colher
elementos probatórios necessários à constatação da materialidade e da autoria
do delito.
No caso dos autos, além da dúvida
sobre o local da consumação do delito, a fixação da competência na Comarca de
Contagem é mais conveniente para a instrução criminal, pois é onde se poderá
ter facilitada a colheita da prova e, por conseqüência, a busca da verdade
real, estabilidade processual, celeridade e melhor aplicação da lei e justiça.
Como bem salientou a MM. Juíza
singular, há testemunhas que residem na Comarca de Contagem, os réus estão
presos preventivamente na Penitenciária Nelson Hungria, localizada na Comarca
de Contagem, estando evidente que a instrução probatória será sobremaneira
facilitada caso o processamento do feito se dê naquela Comarca. Por outro lado,
a Comarca de Vespasiano se trata apenas do suposto local onde o delito de
homicídio teria se consumado, não tendo sido arrolada uma testemunha sequer que
resida naquela localidade, não havendo justificativa para que a competência
seja para lá deslocada, considerando que o interesse do processo é a busca da
verdade real.
Devem ser considerados, ainda, os
indícios de que a suposta vítima foi mantida em cárcere privado no sítio do
paciente Bruno, localizado no limite das Comarcas de Esmeraldas e Contagem,
local por onde passaram testemunhas e envolvidos no suposto delito de
homicídio, de forma que a Comarca de Contagem apresenta melhores oportunidades
para a elucidação dos fatos narrados na denúncia.
Portanto, deve prevalecer a
competência do juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Contagem.
Com estas considerações, REJEITO a
preliminar aventada e, por entender inexistir constrangimento ilegal passível
de justificar a concessão do Habeas Corpus, DENEGO A ORDEM.
Sem custas.
O
SR. DES. EDUARDO BRUM:
VOTO
Estive atento a sustentação oral
produzida da tribuna pelo sempre combativo e il. Dr. Ércio Quaresma, inclusive
fazendo anotações.
Tenho conhecimento do voto do
Relator e vislumbro ser o caso de conhecimento deste mandamus na esteira das
bem lançadas elucidações de Sua Excelência.
Meritoriamente também observo que a
respeitável decisão do culto Des. Doorgal Andrada está amparada na forma regida
pelo nosso Código de Processo Penal.
Assim creio que a competência do
juízo da Comarca de Contagem se estabelece de forma inequívoca. E, neste
tocante, creio que a il. Juíza singular vem bem conduzindo o curso do
procedimento, principalmente acerca do alegado na tribuna.
Aliás, entendo que, por si só, o
decreto preventivo é exame inequívoco de aceitação de competência.
Não vislumbro, data venia, ter
havido descumprimento da liminar exarada pelo culto Desembargador plantonista.
Até porque, em outro momento processual, como dito, também, da tribuna, a il.
Juíza a quo se manifestou expressamente sobre o tema, em harmonia com a
anterior decisão constritiva da liberdade.
Logo, estou acompanhando o em. Relator
para denegar a ordem mas salientar, mais uma vez, a expressiva combatividade,
empenho e zelo do procurador.
O
SR. DES. JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ:
VOTO
Parabenizando Vossa Excelência pela eloqüência,
pela combatividade, é sempre para todos um prazer ouvi-lo, seja pelos
ensinamentos que traz em suas palavras, nesses vinte anos de tribuna,
principalmente no Tribunal do Júri fizeram crescer em torno de Vossa Excelência
um prestígio quase que inigualável nos Tribunais de Minas Gerais, Vossa
Excelência bem sabe disso, mas a modéstia o impede de reconhecer.
Não tenho como afastar o meu
posicionamento daquele apresentado pelo Relator, visto que, como bem salientado
por Sua Excelência, há muitas dúvidas acerca do local da consumação, razão pela
qual, não podemos chamar a aplicação à regra do local da infração para fixar a
competência do juízo. Resta-nos invocar a regra subsidiária da prevenção, tal
qual o fez o em. Relator. Estou acompanhando Sua Excelência para denegar a
ordem, nos termos do voto do Relator.
SÚMULA: DENEGADO O HABEAS CORPUS.